terça-feira, 29 de novembro de 2011

A Consulta

A CONSULTA

(Domingos Pellegrini)


Nosso herói, Coitado de Tal, é um trabalhador doente, com dores constantes. Já procurou terreiro, curadores, tomou chás, fez “simpatias”. Agora, vai tentar a medicina. Está diante de um médico, no consultório. Conseguirá a cura para o seu mal? Leia o texto teatral para saber.


1. Doutor: Bom dia. (Examina rapidamente a ficha de Coitado, que uma secretária trouxe) Coitado de Tal – confere, seu Coitado?

2. Coitado: Sou eu mesmo, doutor.

3. Doutor: Quarenta e dois anos, casado, rua 1º de Maio – confere?

4. Coitado: Confere, doutor, sou eu mesmo.

5. Doutor: Porque tem muito Coitado de Tal no fichário, pode confundir.

6. Coitado: Mas por falar em coitado, doutor, eu vim aqui porque…

7. Doutor: O senhor pode ficar à vontade. (Faz Coitado sentar ao lado de uma máquina registradora) Muito bem, vamos com isso – o que é que o senhor sente, seu Coitado?

8. Coitado: Bom, doutor, eu sinto que estou morrendo.

9. Doutor: Muito bem, então o senhor sente que está morrendo. Todo dia, seu Coitado?

10. Coitado: Todo dia, doutor. Tem dia que eu acho até que já morri, de tanta dor e fraqueza.

11. Doutor: Acha que já morreu, muito bem. O senhor precisa ver um médico da cabeça, seu Coitado, um psiquiatra. Vou dar o endereço de um para o senhor. (Aciona a manivela da caixa registradora, tira um cartão da gaveta) O senhor entregue a ele este cartão, diga que fui eu quem mandei.

12. Coitado: Muito obrigado, doutor – mas o senhor acha que o caso é na cabeça?

13. Doutor: Não se incomode, seu Coitado, que o senhor já morreu. Mas me diga: e a urina?

14. Coitado: Pois é, doutor, a urina…

  1. Doutor: Era o que eu pensava – vou indicar pro senhor um especialista em urina, um

urologista. (Retira mais um cartão da registradora, entrega a Coitado) E as tonturas, seu Coitado?

16. Coitado: Que tontura, doutor?

17. Doutor: O senhor não disse que sente umas tonturas?

18. Coitado: Deve ter sido outro coitado, eu não, doutor.

19. Doutor: O senhor não deve esconder nada do médico, eu estou aqui para ajudar o senhor.

20. Coitado: Pois é, doutor, mas…

21. Doutor: Se o senhor me sonega alguma informação eu não posso estruturar o quadro clínico simplesmente porque foi solapada a anamnese, e o levantamento sindromático é base do quadro clínico. Toda a moderna medicina está pautada no relacionamento médico-paciente, entre os quais a confiança é fundamental.

22. Coitado: O senhor tem razão, doutor, eu… eu não sabia que estava tão ruim.

23. Doutor: Então só me responda sim ou não, por favor.

24. Coitado: Tá certo, doutor, mas é que com tanta pergunta eu fico até meio tonto…

25. Doutor: Ah! Que tipo de tontura, seu Coitado?

26. Coitado: O senhor quem sabe, ué, doutor.

27. Doutor: Não, não sei, seu Coitado, isto requer um especialista – vou indicar para o senhor um ótimo neurologista. (Retira um cartão da registradora, entrega a Coitado) E o apetite vai bem?

28. Coitado: O meu, doutor? Nem me fale…

  1. Doutor: Não vou falar nada mesmo, seu Coitado, quem vai falar é um especialista –

vou indicar um ótimo apetitista para o senhor. (Outro cartão)

30. Coitado: Muito obrigado, doutor, mas o que eu sinto mesmo…

31. Doutor: Com um bom tratamento o senhor não vai sentir mais nada. Rapidamente levanta a camisa de Coitado e lhe escuta as costas com o estetoscópio. Respire fundo.

32. Enfermeira: Telefone da clínica, doutor.

  1. Doutor :Transfere o estetoscópio para o peito de Coitado .O senhor segura isto aqui no

peito, assim, e vai respirando fundo. O doutor sai. Coitado fica segurando o estetoscópio no peito e respirando fundo. Depois de algum tempo, o doutor volta, retira o estetoscópio.

34. Doutor: Muito bem, seu Coitado. Abra a boca e os olhos bem abertos. Examina boca e olhos ao mesmo tempo. Faz Coitado deitar rapidamente, lhe enfia o termômetro na boca, enquanto lhe apalpa a barriga e lhe dá pancadinhas com os dedos e marteladas nos joelhos. Sente alguma coisa, seu Coitado? Dói aqui? O que é que o senhor sente quando aperto aqui? E me diga uma coisa: o senhor bebe muito?

35. Coitado: Eu…

36. Doutor: Então o senhor controla a bebida, seu Coitado, controla para seu próprio bem. Pode levantar.

37. A enfermeira entra rapidamente estão chamando da clínica, doutor.

38. Doutor: Vou receitar uns medicamentos e vai escrevendo a receita, mas o senhor não deve deixar de seguir as outras orientações.

39. Coitado: Mas, doutor, eu queria saber…

40. Doutor: O senhor não se incomode que isso vai passar, na vida tudo passa. O senhor volte aqui me trazendo um relatório de cada um dos especialistas que indiquei, e mais resulktados de raio-x e dos outros exames que eles pedirem, de sangue, de urina, de fezes, eletroencefalograma, etc.

41. Coitado: Mas até lá eu posso estar morto, doutor…!

42. Doutor: O senhor já morreu demais, seu Coitado.


Após a leitura do texto , responda a estas questões:


1) Que diferença há entre doutor e médico?


2) Nas frases abaixo foi usada a palavra “simpatia” com significados diferentes. Dê o significado da palavra usada em cada frase.


a) A simpatia dessa mulher me faz esquecer que ela é muito feia.


b) Tomara que dê certo a simpatia que ela ensinou.


3) No texto , há dois instrumentos médicos: estetoscópio e termômetro. Para serve cada um deles?


4) O paciente não entendeu a fala do médico (parágrafo 21) e supôs que, pelo palavreado, estivesse muito mal. Como você daria essa mesma explicação de modo que o paciente entendesse?



5) Podemos afirmar que o paciente procurou o médico tão logo percebeu sintomas de doença? Explique.



6)Dando ao paciente o nome de Coitado de Tal, o autor pretendeu:


a. ( ) demonstrar que as tentativas de cura fora da medicina maltratam as pessoas.

b. ( ) fazê-lo representar qualquer pessoa, sem lhe atribuir individualidade.

c. ( ) evitar que o nome coincidisse com o de qualquer outra pessoa e a melindrasse.

d. ( ) deixar claro que todos os doentes são iguais e merecem tratamentos iguais.


7) Que especialistas o médico indicou ao paciente?


8) No Parágrafo 22, Coitado de Tal disse: “eu não sabia que estava tão ruim”. O que o fez pensar assim?


9) A enfermeira interrompeu a consulta duas vezes para anunciar chamado da clínica. O modo de agir do médico nas duas ocasiões insinua que ele:


a. ( ) resolvia os casos de sua clínica por telefone, em horário de atendimento aos pacientes.

b. ( ) dava prioridade a quem o procurava pessoalmente.

c. ( ) considerava inoportunos os telefonemas da clínica.

d. ( ) se preocupava muito mais com sua clínica particular.


10) A caixa registradora é um elemento estranho a um consultório médico. Por que o autor a incluiu no texto?


11) Na sua opinião, a medicina é um comércio ou apenas há médicos que fazem da medicina um comércio? Explique.



GABARITO:




1)Doutor – aquele que se formou numa universidade e recebeu a mais alta graduação após haver defendido uma tese (doutorado).

Médico – aquele que estudou qualquer área da medicina e a exerce.


2)

a) atitude amável no trato com as pessoas, tendência instintiva de aceitação entre as pessoas.

b) Ritual para prevenir ou curar enfermidades ou atrair objeto de desejo.



3)Estetoscópio – serve para ampliar e ouvir sons internos do corpo humano como batidas do coração e a entrada e saída do ar nos pulmões.

Termômetro – serve para medir a temperatura interno do corpo humano.



4) Resposta pessoal. A resposta mais óbvia é que se empregaria linguagem menos técnica e mais acessível à compreensão do paciente.



5)Não. Porque o seu Coitado afirmou que sentia que estava morrendo e todo dia sentia dor e fraqueza, sinal que esses sintomas já aconteciam a algum tempo.


6. Alternativa b.


7.Um psiquiatra, um urologista, um neurologista, um apetitista.


8. A linguagem muito técnica usada pelo médico, a qual o paciente não entendia. A explicação muito longa e confusa levou o paciente a achar que estava muito doente.


  1. Alternativa a

10. Para indicar que a prioridade do médico era financeira e não a saúde dos pacientes.


11. Resposta pessoal. Qualquer que seja a resposta, deverá apresentar argumentos plausíveis à afirmação, isto é, situações que comprovam a afirmação.


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